É Possível Ser Um Professor Transformador? – Um Estudo de Caso na Ufba¹

ideia artigoRESUMO: O presente trabalho fruto da conclusão do Mestrado em Educação pela UFBA, gravita ao redor da: A formação e prática docente do ensino superior em seus dias atuais. Constitui o objetivo geral do trabalho em questão: Evidenciar se os professores universitários atuam como formadores de opinião para a construção da autonomia, da consciência crítica e da capacidade de problematização dos que se encontram no processo educacional. O estudo em questão é divido em três momentos: o de fundamentação teórica onde se promove a discussão e problematização das questões que norteiam essa pesquisa; a revisão de literatura especializada que nos permite construir o embasamento teórico para a fase final: pesquisa de campo e análise dos dados. A metodologia adotada é da pesquisa qualitativa. Nosso campo empírico é a Universidade Federal da Bahia. Nesta, foram escolhidas duas de suas unidades. Como método de análise da entrevista, recorremos à análise do discurso dos professores entrevistados, nos baseando na linguística de Ferdinand de Saussure (2006) e Jacques Lacan (1998), diferenciando as noções de significante e significado que ambos trazem em suas respectivas teorias. Com a utilização de análise do discurso dos professores, visamos perceber a coerência entre o discurso, ação e formas de atuação em suas práticas docentes.

Ao escrever sobre a formação e prática dos professores universitários em seus dias atuais, é gravitar ao redor de um tema polêmico, árduo e angustiante, uma vez que, nos deparamos com muitas polêmicas, críticas, desilusões, conflitos e problemáticas. Contudo, o ponto de partida está na dificuldade que certos professores possuem de se enxergar como tais, o que dificulta, por conseguinte, a real compreensão da responsabilidade e implicação social que possuem ao exercer a atividade docente.

Não perdemos de vista as dificuldades que esses professores encontram em sua prática cotidiana, principalmente aquelas oriundas das configurações sociais por qual passa a educação do ensino superior atualmente.

1. A Educação na Contemporaneidade:

Convivemos com uma sociedade de informação, o que significa dizer que: os acontecimentos e as vivencias acontecem em passos rápidos. Quase não temos mais tempo de nada processar. Para Touraine (2006) esta sociedade designa uma revolução tecnológica, cujos efeitos sociais e culturais são visíveis por toda parte. O mundo da informação é puramente tecnológico, suas técnicas não são, nem podem ser neutras e têm por si mesmas conseqüências sociais inevitáveis. As relações de dominação são evidentes e os conflitos de classes, situam-se mais no nível da gestão global, sobretudo financeira, do que no nível do trabalho e da organização da produção.

Nessa sociedade, cria-se um novo tipo de conhecimento, de pessoas, de relações sociais, de representações sociais, bem como um novo conceito de sociedade. É mundo puramente tecnológico e que insere novos investimentos e uma representação transformada de objetivos do trabalho e da organização.

A importância de pontuar o porquê vivemos em uma sociedade de informação é trazer a tona uma discussão de como esta reflete na educação e, consequentemente, na formação e prática docente do ensino superior. A educação sempre esteve a serviço de uma sociedade, nos resta analisar se esta consegue acompanhar a velocidade das alterações sociais.

Mc Luhan (1970) apontava grandes modificações educacionais, onde assinalava que haveria uma revolução no que concerne aos papéis de aluno e de professor. Não apenas no que tange aos papéis, como também a toda uma estrutura educacional que passaria a ser modificada por esta “cultura” da informação, fruto da comunicação e do conhecimento. Teríamos novas formas de ensinar e aprender, novas formas de pesquisar e o cidadão do futuro seria recompensado por sua diversidade e por sua originalidade.

Pensavam que, com o rápido acesso aos meios de comunicação de massa, a educação seria completamente transformada. As aulas retóricas e magistrais, seriam substituídas por pesquisa, o professor não seria mais um informador, uma vez que a informação vem através do rádio, televisão, cinema, revistas, livros, cartazes, o processo didático deveria estar centrado no desenvolvimento intelectual. Ensinar viria a ser um desafio, adequado e gradual. A memorização daria vez à criatividade. Educar já não seria mais prever as necessidades sociais, mas preparar os jovens para o imprevisível.

Passadas algumas décadas, o que existe é a sensação de impotência, atraso e falta. Angustia de perceber que as previsões de Mc Luhan (1970), que para algumas sociedades talvez tenham sido reais, no que tange a educação brasileira ainda permanece um sonho. Continuamos reproduzindo, em grande parte, o modelo retórico da idade média – época em que o saber era detido na mão de uma pequena parcela da população, e ainda por cima, condenável a quem tivesse acesso.

Embora estejamos na sociedade de informação, ao contrário do que se previu, a educação brasileira não conseguiu acompanhar os anseios sociais, e mesmo que a passos lentos busque novas tecnologias de informação, para o aprimoramento e eficácia da sua técnica, a tecnologia jamais substituirá o convívio presencial na formação do aluno.

De acordo como nossa pesquisa é válido ressaltar que: A pesquisa, a experimentação e aprendizagem continuam dependendo bastante da frequência presencial.

Afirma Marcovitch (2002) que: “A vivência no campus favorece a construção de relacionamentos, valores, afirmação de identidade, experiências culturais.” (MARCOVITCH, 2002,p.2). A informática, os meios de comunicação de massa, e todas as informações que rapidamente chegam em nossa mãos, em todos os seus aspectos, são instrumentos complementares de grande valia, mas jamais substituirão a figura do professor.

A educação deve acontecer em um processo dialógico entre professor e aluno, entre a inteligência de quem ensina e a inteligência de quem aprende (Marcovitch 2002). Em um processo de troca contínua entre professor e aluno.

professorCabe ao professor, estar com o aluno, desenvolver dialogicamente um trabalho a ser realizado. A aprendizagem é um processo que exige envolvimento e o desejo do individuo sair da sua zona de conforto. Assim como Piaget (1981) nos pontua que para conseguirmos sair da assimilação é preciso que haja um desequilíbrio a fim de criarmos novas estruturas para, desta forma, acomodar algo.

A aprendizagem é um processo, e este processo é uma díade, assim como os alunos devem criar novas estruturas cognitivas, ao qual chamamos de esquema, os professores também precisam se reestruturar a cada dia, a cada momento e em cada relação social. É justamente essa troca constante do processo de aprendizagem que tecnologia nenhuma conseguirá suprir.

O professor deve ter claro, que ninguém ensina nada a ninguém, assim como ninguém informa ninguém; o indivíduo informa-se É importante pontuar que, assim como nos afirma Touraine (2004), nem todo processo de informação significa que há comunicação. Comunicação é troca, é saber conviver com a alteridade, é escutar o que o outro tem a dizer e o que é possível de ser trocado ou complementado.

2. Questionando a Formação e Prática do Professor Universitário na Atualidade:

O papel do professor é o estar com o outro – nesse caso o aluno – em todos os sentidos compartilhando ideias, escutando quando necessário, mobilizado e engajado no processo de ensino-aprendizagem.

O ensino possui um papel transformador, e isto o professor universitário não pode perder de vista. A tarefa do professor universitário transformador consiste em fazer de cada aluno, na sala de aula, nos espaços universitários como também na sociedade, um cidadão capaz de, mesmo depois de formado, ser um verdadeiro agente de mudanças, um cidadão crítico e problematizador do seu tempo.

É esse ponto que constitui o objetivo geral do trabalho em questão: Evidenciar se os professores universitários atuam como formadores de opinião para a construção da autonomia, da consciência crítica e da capacidade de problematização dos que se encontram no processo educacional.

Conforme nos afirma Benedito (1995) o professor universitário aprende a sê –lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou seguindo a rotina dos “outros”. Isso se deve à inexistência de uma formação específica como professor universitário.

Nesse processo desempenha um papel mais ou menos importante sua experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as reações de seus alunos ao seu desempenho em sala.

Sacristán (1999) diferencia a prática e ação, até chegar ao conceito de prática educativa. Para o autor, entende-se como prática a ação institucionalizada, formas de educar que ocorrem em diferentes contextos institucionalizados, configurando a cultura e a tradição das instituições. Essa tradição, então, seria entendida como o conteúdo e o método da educação. Já o conceito de ação, refere-se aos sujeitos, seus modos de agir e pensar, valores, compromissos, opções, desejos e vontades, conhecimento, esquemas teóricos de leitura do mundo. De certa forma, assim como Freire (1999) nos propõe a leitura da palavra, como a leitura da palavra mundo.

Refletir acerca da ação é pensar na realização desta, nas práticas institucionais nas quais os sujeitos se encontram, sendo pro estar determinadas e nelas determinado. Essa implicação de sujeitos com as instituições, assinalada por Sacristán (1999) revela a determinação de ação com prática, o que permite transformações institucionais, que se revelam na prática educativa.

A prática educativa é um traço cultural compartilhado que tem relações com o que acontece em outros âmbitos da sociedade e de suas instituições. Portanto, pesquisar a formação e prática dos professores, é também impor-se como um caminho para a transformação desta.

Definir, o papel do professor universitário em seus dias atuais, dentro de uma prática transformadora, é concordar com Pimenta (2002) e ressaltar que nosso trabalho necessita de um enfoque hermenêutico e reflexivo. O ensino é uma atividade complexa que ocorre em cenários singulares, claramente determinados pelo contexto, com resultados em grande parte imprevisíveis, carregada de conflito de valor, o que requer opções éticas e políticas.

O professor como intelectual transformador, tem de desenvolver saberes, tanto no sentido de experiência profissional prática em campos específicos, como também em situações pedagógicas. O professor transformador é pois aquele que põe a prova sua criatividade para fazer frente às situações únicas, ambíguas, incertas, conflituosas nas aulas, no meio acadêmico, e na complexidade de suas ações. (Giroux, 1997).

Pimenta (2002) em acordo com Giroux (1997), afirma que o conhecimento de um professor transformador, é composto da sensibilidade da experiência e da indagação teórica. Emerge da prática reflexiva e se legitima em atuações democráticas no próprio processo de construção e reconstrução das práticas institucionais.

artigo psicanalise ufbaPara isso, as universidades, precisam estar abertas a essas situações e construir práticas democráticas e participativas permitindo as articulações com a diversidade e a necessidade de possuir professores competentes que respondam à incerteza, fazendo uso da realidade, racionalidade e senso comum. Pimenta (2002) acompanha nessa afirmação, e acrescenta que o saber de um professor transformador vai sendo alcançado após a sondagem inteligente e com a comunicação compartilhada da experiência.

Analisar a ação pedagógica, como superação do ponto de vista instrumental, técnica, é também tomar como elementos a subjetividade que interfere na ação dos sujeitos atuantes na educação. Logo, pensar dessa forma requer dos professores uma sólida formação intelectual, social e cultural. (Pimenta, 2002).

André (2001) afirma ser preciso uma disposição pessoal do professor para investigar, um desejo de questionar. Para isso é preciso que o professor possua formação adequada para formular problemas; selecionar métodos e instrumentos de observação e da análise; que atue em ambiente institucional favorável à constituição de grupos de estudo; que tenha possibilidade de tempo e disponha de espaço para fazer pesquisa. O professor pesquisador, tem grande mérito de valorizar o papel social do professor como agente de mudanças e produtor de conhecimentos.

O ensino assinala Pimenta (2002) é um fenômeno complexo, enquanto prática social realizada por seres humanos, é modificada pela ação e relação desses sujeitos, que, por sua vez, são modificados nesse processo. O que psicanaliticamente escrevemos que: a aprendizagem acontece na díade, professor – aluno, perpassada, por laços e vínculos afetivos que constituem os sujeitos em questão.

A identidade não é um dado imutável nem esterno, mas se dá no processo, na construção do sujeito cognitivo, afetivo, social e historicamente contextualizado.

A profissão do professor por sua vez, emerge em dado contexto e momento histórico, tomando contornos conforme necessidades apresentadas pela sociedade, e constrói-se com base nos significados sociais que lhe são dados, bem como as suas próprias representações simbólicas e afetivas, são capazes de lhe constituírem.

Sugere Demo (2004) que se aprende muito pouco, quase nada, na universidade, especialmente nas instituições que apenas oferecem aulas. Impera o mais atrasado instrucionismo, a reboque de didáticas medievais de mera “reprodução” de conhecimento, ignorando a própria pesquisa que nela se faz.

O próprio sistema capitalista leva ao modelo de professor “horista”. As propostas mercadológicas em que as universidades vivem atualmente resumem o professor a esta condição de apenas um reprodutor de conhecimentos, alienando ao sistema. Não desenvolvem pesquisas, extensão – pilares fundamentais para a ocorrência do ensino. São apenas professores conteúdistas3 com uma visão quase nula do verdadeiro sentido do processo de aprendizagem.

Segundo Demo (2004) esta configuração mercadológica termina por anular a condição do professor transformador. Aquele que pesquisa, que instiga seus alunos a buscar cada vez mais, que além de formar grupos de pesquisa, encontra apoio nas universidades para incentivar as pesquisas para os alunos.

De certa forma a universidade está dando seqüência a educação deficitária que se encontra na atualidade nos níveis fundamental e médio. Segundo Demo (2004) é necessário que a universidade, justamente por comportar a idéia do ensino – pesquisa- extensão, comece a re-avaliar e re-significar essa prática de ensino bancário, “espera da universidade que garanta acesso ao melhor conhecimento possível e disponível, em particular a formação de gente capaz de construir e reconstruir conhecimento.” (Demo, 2004, p.48).

Existem outros pontos que norteiam o processo pedagógico na docência do ensino superior. Até o momento, escrevi muito sobre a parte da formação do professor no que tange aos aspectos sociais e educacionais, porém jamais poderemos esquecer os aspectos afetivos que constituem esse docente e esse fazer pedagógico.

É necessário sempre avaliarmos, que, a questões subjetivas, que fazem parte da vida do próprio professor e este necessidade estar atento. Por isso acredito na pesquisa, como objeto de reflexão e auto – análise da sua prática.

Pesquisar a própria prática na sala de aula assinala André (2001) é ação realizada com intencionalidade que revela a profissionalidade do docente. Acrescenta Pimenta (2002) que a revisão da própria prática, são necessários a toda profissão. Para autora, existem diferenças evidentes entre um professor que revela seu profissionalismo como docente e aquele que apenas faz da docência uma empregabilidade que lhe permita uma renda a mais. Enquanto que a empregabilidade caracteriza-se pela capacidade da pessoa de executar, de forma eficaz, atividades requeridas pelo modelo vigente de desenvolvimento, a profissionalidade envolve a capacidade para conceber e programar novas alternativas diante da crise e dos problemas sociais e educacionais.

Cavallet (1999) aponta que na origem da escolha de uma profissão estão presentes ideal, objetivo social, conceito. Na atuação, elementos como autonomia, entidades representativas e código de ética, são condições essenciais para ter como resultantes transformações da realidade, realização de projetos de vida e reconhecimento social.

É preciso ter claro, que o profissional que atua como professor, deve ter como projeto de vida cooperação, concepção de novos processos a cada desafio surgido, visando ao desenvolvimento social.

Pimenta (2002) afirma que desta forma, o professor terá mais facilidade de atuar e assumir seu papel profissional como docente, exigirá conhecimentos específicos da área pedagógica, além da reflexão sistemática acerca da própria prática.

O que nos fica claro, é que a maioria dos professores universitários tiveram sua graduação calcada no modelo jesuítico ou técnico, logo, por isso atuarem de forma empírica ao irem em seus dias atuais para sala de aula.

tecnologiaAlguns professores desenvolveram, nos seus cursos de mestrado e doutorado, habilidades referentes ao método de pesquisa, porém são desafiados a todo o momento, em como realizar um trabalho profissional na área educacional, e um dos processos possíveis para isso é acima de tudo o professor se perceber nesse processo e selar como projeto de vida uma reflexão contínua e percepção sobre si mesmo e sua própria prática na sala de aula.

Para tal exercício, é necessário do professor, um posicionamento de abertura, flexibilidade e coragem no enfrentamento das ações profissionais e a consciência sempre que o processo ensino – aprendizagem acontece na díade professor – aluno.

Afirma Jovchlevitch (1998) que a objetividade no mundo humano é uma conquista de um espaço que nunca pertence somente a um sujeito ou a um outro sujeito, mas a um espaço onde sujeitos sociais se encontram e, dependendo das condições desse encontro, instituem o sistema provisório que define a realidade objetiva num tempo histórico dado. A objetividade para os humanos é uma conquista da vida social, do espaço público, da comunicação e da intersubjetividade.

O professor deve estar consciente de que a presença de outros envolve um processo educacional, que na verdade é um sistema de diferenças e distinções impossível de evitar. Cada um de nós segundo Jovchlevitch (1998) é inter–sujeito, e o reconhecimento de que a alteridade atravessa o que somos tem conseqüências não apenas para o que fazemos, mas para o modo como fazemos o que fazemos.

A profissão de professor exige de seus profissionais alteração, flexibilidade, imprevisibilidade. Não há modelos ou experiências modeladas a serem aplicadas. A experiência acumulada serve com referencia, nunca como padrão de sucesso e segurança.

Assim, Pimenta (2002) assinala que o processo de reflexão, tanto individual como coletiva, serve como base para a sistematização de princípios norteadores de possíveis ações, porém nunca de modelos.

Chauí (1999) ressalta a pesquisa da prática individual e coletiva possibilita a construção de um pensar compartilhado sobre nossas próprias incertezas e dificuldades. Exige distanciamento e análise das ações executadas e das ocorrências efetiva à luz dos resultados. Favorece uma autocrítica, fundamental no trabalho docente, extramente salutar. Reconstrói a teoria existente. Esvazia os aspectos e ações imediatistas, levando a construção de uma teoria emancipatória. Torna os professores mais sujeitos da sai própria história profissional, fomentando a concepção e a implementação de novas alternativas diante do desafio que é ser professor universitário.

A glória do professor é o aluno que consegue ao longo do curso desenvolver a reflexão, a consciência crítica, a capacidade de problematização, o aluno que consegue pensar de forma coletiva, intervir no processo sócio educacional. E isto só é possível na medida em que este aluno teve em seu caminho um professor transformador e juntos construíram ou resignificaram o sentido da aprendizagem.

3. Metodologia:

Desta forma, apresentam-se como objetivos específicos identificar as características da competência e do compromisso dos professores universitários como agentes de transformação da realidade; evidenciar as suas formas de atuação para a transformação dos alunos; categorizar as competências, compromissos e prática dos professores universitários; investigar como esses, em sua prática educacional, atuam no sentido da construção da cidadania, autonomia, consciência crítica, capacidade de problematização e transformação da realidade sócio educacional dos educandos.

O estudo em questão é divido em três momentos: o de fundamentação teórica onde se promove a discussão e problematização das questões que norteiam essa pesquisa; a revisão de literatura especializada que nos permite construir o embasamento teórico para a fase final: pesquisa de campo e análise dos dados.

A metodologia adotada é da pesquisa qualitativa. Nosso campo empírico é a Universidade Federal da Bahia. Nesta, foram escolhidas duas de suas unidades. Os instrumentos utilizados nessa pesquisa foram entrevistas semi–estruturadas realizadas com 15 professores. Deste total, 7 professores compunham a amostragem do curso A e 5 professores a do curso B, o que equivale a 15% de cada curso. Toda a escolha da amostra foi realizada, por critérios amostrais baseados no que estatisticamente chamamos de aleatória simples. Tal amostragem é equivalente a um sorteio lotérico. Como o número de cursos contido está subdividas em apenas cinco áreas, é viável a realização desta de pesquisa.

Como método de análise da entrevista, recorremos à análise do discurso dos professores entrevistados, nos baseando na linguística de Ferdinand de Saussure (2006) e Jacques Lacan (1998), diferenciando as noções de significante e significado que ambos trazem em suas respectivas teorias.

Com a utilização de análise do discurso dos professores, visamos perceber a coerência entre o discurso, ação e formas de atuação em suas práticas docentes.

4. Análise dos Dados:

4.1 Professores do Curso A:

O que se percebe em todos os professores do curso A, é que, como não possuem formação em licenciatura, e disciplinas como Psicologia da Educação, Didática, Metodologia do ensino, não fizeram parte do seu estudo, atuam como professores, da forma como eles acreditam ser correto, muitos deles repetem os modelos que vivenciaram com seus professores na universidade.

Não são maus professores, porque querem, são professores, que não foram preparados para o exercício da profissão docente. Embora alguns empenhados e com muita vontade de acertar, em quase todas as respostas, havia o falar de si mesmo, a dificuldade que muitos têm de ser perceber enquanto docentes e o processo educacional como díade baseia-se em perspectivas do senso comum. Não porque querem, mas por não conseguirem operar de uma outra forma.

Nesse sentido, ouvi respostas tais como: “A sala de aula não deve ser uma mera reprodução de conteúdo”, “ é possível o professor propor esse debate e os alunos conseguirem sim acompanhar”; “eu promovo discussão em sala e acho isso fundamental”, “na verdade, não é a turma que tem que se adequar ao professor, é o professor que tem que se adequar ao aluno”. Se respostas desse tipo foram dadas, nas 7 entrevistas realizadas, de outro lado, escutei dos 7 professores, que é impossível a realização de seminários na graduação.

Reforcei a pergunta, o porquê da impassibilidade dos seminários na graduação, eles, não sabiam me responder. As respostas eram todas evasivas, do tipo: “o aluno da graduação não tem maturidade intelectual para realização dos seminários” ; “ com a formação que os alunos têm hoje, não!!!!A proposta de seminário só é valida na pós”.

Agora, dois professores me chamaram atenção em suas respostas, confirmaram a impossibilidade do seminário na graduação, mas afirmaram as seguintes situações:

Professor 1) Na minha opinião não! Eu entendo que a gente não tem maturidade para fazer isso funcionar. Eu tento fazer às vezes, existem determinados assuntos na faculdade que eu sempre faço isso (grifo meu), seminários feitos pelos alunos. Mas vejo que eles não dão importância quando os colegas estão apresentando em relação a presença física do professor – professor do Curso A, em dados da entrevista.

ufba professoresAnalisemos que resposta estranha, primeiro ele afirma que não tem maturidade, ou seja: afirma a sua falta de capacidade para dar aula baseadas em seminários – não resta dúvida, que as aulas expositivas são sempre mais fáceis de serem ministradas, afinal, é só chegar e falar, e para o professor com boa retórica e com conteúdo, é sempre a mais simples – aprendemos assim. Nossa educação foi jesuítica.

Continuemos analisando a resposta desse professor – segundo ele afirma faço isso – não só o isso é algo com desdém, como também a sua entonação da voz do professor me dizia em sua latência: “eu nem faço isso, mas como você me perguntou….respondo isso.” Terceiro, os seminários são feitos pelos alunos, por que não construídos pelo professor juntamente com o aluno? Quarto: os colegas não dão importância, e ele, professor? Dá importância? O que seria melhor em uma aula, problematizar? Ou falar o tempo inteiro, sem ao menos escutar o que se fala? Quinto: o que tem haver a presença física do professor nessa postura dos alunos?

Insisto na pergunta: “E você acha que isso não funciona em função de quê?”

Ele automaticamente, responde:

não sei! Eu acho que é assim a forma que todos nós alunos e professores ainda temos da visão em relação à faculdade, é ter alguém falando, alguém explicando e os outros aprendem, eventualmente interferindo. Os próprios alunos do curso A, não gostam de preparar seminários. Eles dizem que é o professor que não quer vir dar aula, quer poupar o trabalho do professor…”

O modelo de aula do curso A, me parece ser os das aulas magistrais, são assim que os professores sabem fazer. Está evidente na resposta desse professor, que eles aprenderam assim, logo, a tendência é repetir os modelos. Observem, no discurso do professor, que ele não consegue explicitar o que vem a ser uma aula com seminário. Em latência afirma até que para haver seminário o professor não precisa estar em sala de aula.

Ou seja: mais uma vez, reforça a minha questão de que, os bacharéis não fazem, por que não foram preparados, e assim, é mais fácil para eles repetir modelos, até porque muitos deles não vêm a docência como a primeira atuação profissional. Muitos fazem da docência um “Bico”, ou carregam na docência um “status” de ser professor concursado do curso A da Universidade Federal da Bahia.

Agora, notem uma coisa, contraponho o discurso desse professor temos um professor 2 que afirma:

Professor 2) nunca…nunca…eu acho que só fiz seminários uma ou duas vezes em 8 ou 9 anos de docência. E nas vezes que fiz, não funcionou, mas eu sei porque não funcionou. Não funcionou porque nas vezes que eu fiz seminários, eu não fiz o acompanhamento que eu deveria ter feito, ou seja, que acho que na graduação a realização de seminários com os alunos só funciona se tiver uma trabalho prévio e intenso do professor em relação a esse seminário.

Esse professor seria o mesmo que, ao final da entrevista, quando pergunto: você acredita ser um professor transformador? Pausadamente, respondia logo em seguida a minha pergunta,

Não, não sempre. Eu sou muito instável, então tem semestres que eu dou um monte de aulas….tem outros semestre que eu trabalho mais buscando ser um pouco mais transformadora, mas é duro manter o ritmo (risos). Tem semestre que eu canto, às vezes depende da turma, às vezes depende dos meus compromissos pessoais, da faculdade, as vezes eu tenho energia, as vezes tenho menos. Então eu sou muito instável de semestre para semestre. – professor do curso A, em dados de entrevista.

Escutava, alguém que falava de si, e se percebia naquele contexto.

Em paginas anteriores, fundamentei que o trabalho do professor é inconstante, imprevisto, incerto, e não existe como você ter uma regularidade do fenômeno. Mas, refletir sobre si mesmo é um passo para a transformação. Proporciona um olhar mais atento da realidade.

Os 6 professores, confirmavam de certa forma a minha fundamentação teórica. Respondiam ao seu modo essa pergunta, mas todos, de uma forma geral, não sabiam responder se eram ou não professores transformadores. Uns diziam que tentavam, outros diziam que só quem podia avaliar eles eram os alunos, alguns tinham respostas bem evasivas, sem saber ao certo o que era ser professor transformador.

Enfim, do que resta dessa pesquisa de campo, com os professores do curso A, é a resposta de uma das minhas inquietações no que tange a formação docente no ensino superior e posterior prática.

Alguns dados, ficaram muito claros. A maioria deles acredita que ensinar é apenas ter conteúdo. Estes repetem o modelo antigo de ensino – aprendizagem por que é assim que aprenderam, é assim que sabem fazer, e por conta das sua obrigações diárias, preferem continuar assim, é mais fácil, prático, sem muitas problematizações.

Alguns não, levam a docência como exercício profissional, isso está claro, em várias passagens nos discursos e logo nas primeiras questões da entrevistas, a grande maioria não responde sua profissão: professor, e sim o seu campo de atuação prática oriundo da titulação do bacharelado.

Outra questão nessa amostra do curso A, relevante a ser analisado é referente a idade dos professores, muitos, ainda são jovens na docência e estão vivendo o deslumbramento de seus respectivos títulos e concursos realizados.

Estão vendo a docência como uma ascensão social e aspiração profissional, como se fosse uma passagem para o sucesso, do que estão preocupados com o fazer docente, ou com o ato pedagógico em si.

Mas alguns, estão tentando realizar um bom trabalho, mesmo com todas as suas questões pessoais, ao menos estão tentando refletir sobre si mesmo – talvez isso seja um bom começo. Porém discurso político – social, não encontrei, e na perspectiva educacional, também não encontrei, até porque não tiveram nenhuma formação.

Enfim, é essa universidade que temos nos dias atuais, o retrato da sociedade problematizada nos primeiros parágrafos desse artigo.

4.2 – Professores do Curso B

Ao contrário do curso A, na pesquisa de campo do curso B, deparava-me com outra realidade, era um curso de licenciatura, e na amostra, com professores com idades cronológicas mais avançadas e com mais tempo de UFBA.

Muitos desses professores possuíam, 30 – 40 anos só de UFBA. Logo, de primeira instância, não se observava deslumbramento de nenhum deles, por serem professores da Universidade Federal. No quesito, profissão: ao contrário do curso A, no curso B, muitos se espantaram com a pergunta e me responderam: “Obvio que é professor! Eu sou professor!” Ou seja: no curso B, a docência era sua única profissão, e consequentemente sua única fonte de renda.

No curso B, como eles possuíam a visão educacional, em seus discursos estava questões políticas, sociais e educacionais. As respostas eram longas e problematizadoras, eram pessoas que pensavam a universidade não apenas como um espaço de projeção social ou ascensão profissional, mas afirmavam, ser a universidade um espaço de discussão, contraponto de visões e afirmava:

formandosSe na Universidade não tiver espaço para fazer isso eu acho que ela não pode nem ser chamada de Universidade. Porque na realidade eu gosto muito de um livro de Ítalo Calvino que se chama Porque dos Clássicos e eu acho que ele diz coisas muito importantes, mas eu acho que os clássicos também têm essa vantagem de mostrar que aquilo que eles trazem, aquilo que eles vêem ou fizeram ao longo da história, sempre foi superado por mais que você veja um grande nome, um grande cientista, um grande filósofo, sempre houve alguém que lhe retrucasse, que lhe trouxesse contra pontos, pusesse em questão aquilo que você fez. Eu acho que é assim que a gente constrói o senso crítico, a capacidade de não acreditar naquilo que está posto, mas sempre crer na possibilidade de análise apurada, da tentativa de sempre ver o que está por trás de cada fala, de cada texto, o que é que está ali e o que é que pode vir a ser a partir da negação ou da crítica daquilo, eu não digo somente negação mas da reconstrução daquilo. – professor do curso B, em dados da entrevista.

Assim eram, todas as respostas ao longo das entrevistas, implicadas, problematizadas, refletidas sobre si mesmo.

Apesar das dificuldades encontradas, na entrada de campo do curso B, os professores que se dispuseram a dar entrevista, eras pessoas implicadas no processo sócio –educacional e com a coragem expor sua ideias, expor suas história de vida, seus defeitos enquanto professores, os sabores e dissabores que encontraram na docência ao longo de 30 – 40 anos de magistério do ensino superior.

Não existe manual para ser um professor transformador, mas existe uma prática implicada e reflexiva, que nas atividades cotidianas permitem essa transformação.

Pesquisando e escutando do curso B, repenso o que escrevi no Curso A, e afirmo, não é ser bacharel ou licenciado que lhe permite essa formação da transformação. É acima de tudo você se permitir a essa vivência da transformação.

Muitos professores do Curso B, embora hoje em dia lecionem em um curso de Licenciatura, a sua formação inicial é de bacharel, mas, o tempo e a vivência, com certeza lhe permitiram novos olhares.

5. Considerações Finais:

Não acredito na sorte, sempre acreditei na afirmação Freudiana que o inconsciente funcionava como um radar. E com certeza não deve ter sido do nado que entrevistei justamente esses professores – transformadores, que tanto busquei em minha pesquisa.

clarissa lagoAs considerações que ressalto na pesquisa de campo são: não que no curso A, não haja professores transformadores – eles também são sim! Ao modo deles, como eles podem ser, como a sua idade cronológica, intelectual e suas vivencias lhe permitem ser.

No curso B, há uma vivencia e a crença que o professor tornar-se. E o tornar –se é uma longa jornada. Atividade reflexiva, não é tão fácil quando se imagina, assim como o desejo de torna-se também não é tão simples de ser escutado.

O desejo, ele trai, ele escapa, ele é incompleto, insatisfeito, fazendo com que estejamos sempre no buscar.

Penso a transformação dessa forma, na constante busca, sem respostas, mas que nos permite reflexões do nosso fazer cotidiano sempre.

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¹ Artigo originário da dissertação: É possível ser um professor transformador? Ponderações sobre a atuação e prática dos professores universitários em seus dias atuais. Um estudo de caso na UFBA. 
– Defesa marcada para 13 de setembro de 2007 - Mestrado em Educação – Linha de Pesquisa Política e Gestão da Educação – Universidade Federal da Bahia. – Trabalho inscrito no XIV Encontro Nacional da ABRAPSO 
– Resumo aprovado para o eixo temático: EDUCAÇÃO. Autoria de Clarissa Lago, mestranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), 
Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Bacharel e Psicóloga pela Universidade Salvador (UNIFACS), Licenciada em Pedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). 
Atualmente é professora do Curso de Psicologia da Universidade Salvador (UNIFACS).

² Caracterizo em conteúdista, aquele professor que apenas repete os conceitos escritos nos livros, nada problematizam nada acrescentam. São professores que acreditam que desempenhar o papel de bom 
professor é cumprir a carga horária do programa e ter “explicado” em sala de aula todo o conteúdo programático da disciplina.

Referências:

ANDRÉ, Marli. Pesquisa, Formação e Prática Docente In: O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores – Campinas, SP: Papirus, 2001. Cap.3, p 55-69 BENEDITO, V. La formación universitária a debate. 
Barcelona: Universidade de Barcelona, 1995;
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Written by Clarissa Lago

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