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RESUMO

Este trabalho objetiva analisar a relevância das matrizes disciplinares da Psicologia Moderna (Behaviorismo, Gestalt e Psicanálise) para a Publicidade e a Propaganda, tomando como ponto de partida a concepção de paradigma e suas implicações na área em questão. Posteriormente, ilustra-se a aplicabilidade destas teorias à peça “Primeiro Encontro”, do anunciante Primus, de modo a pôr em prática a fundamentação teórica enfocada.

PALAVRAS-CHAVE

Psicologia; Matrizes Disciplinares; Publicidade; Cerveja Primus.
logo_intercom2005

Trabalho apresentado à sessão de Eventos Especiais III: Intercom Júnior; Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UERJ – 5 a 9 de setembro de 2005.
INTRODUÇÃO

As primeiras técnicas de publicidade tinham por objetivo informar aos consumidores potenciais as características dos produtos disponíveis no mercado. Diante da simplicidade dos aparatos tecnológicos, da inexistência de meios de comunicação massivos eficazes para difusão de propagandas e, principalmente, da forma com que os desejos estruturavam-se na vida das pessoas, os anunciantes não se preocupavam em entendê-las e persuadi-las; bastava que seu produto fosse conhecido.

Entretanto, a partir do desenvolvimento industrial, houve mudanças significativas em toda a sociedade, principalmente no que tange à concorrência, às mídias e ao consumo de massa. Para a publicidade, estas transformações levaram a uma reavaliação das estratégias utilizadas em seus primórdios. Com o desenvolvimento do mercado, tornou-se importante aumentar a visibilidade de um produto, salientar suas qualidades e levar o consumidor a adquiri-lo, em detrimento de uma variedade de similares. A persuasão, portanto, tornou-se ferramenta indispensável para a eficiência da propaganda.

Paralelamente, a Psicologia desenvolvia-se como ciência, a fim de explicar o “novo homem” advindo das inovações tecnológicas e da conjuntura social que elas acarretavam. À priori, sob influência do positivismo, havia preocupação em estudar um objeto observável. No caso do Behaviorismo (comportamentalismo, em inglês), foram desenvolvidas teorias que abordavam a previsibilidade do comportamento humano, dados determinados estímulos ambientais. Em contrapartida, a Gestalt ressaltou a importância da percepção e da subjetividade, e a Psicanálise identificou a existência de estruturas relativas às instâncias psíquicas, importantes para elucidar questões ligadas aos desejos mais inconscientes do homem e à sua linguagem.

Estas correntes de pensamento, chamadas de matrizes disciplinares, fundamentam a Psicologia do século XX e podem ser aplicadas em diversas áreas do conhecimento, configurando-se como paradigmas. Apesar de apresentarem ideias que, muitas vezes, são divergentes, estas teorias não se anulam e frequentemente são utilizadas de maneira concomitante. Vale salientar que nenhuma delas foi desenvolvida com o objetivo de alicerçar a atividade publicitária, porém a publicidade, atenta à importância destas teorias e sua relevância para a compreensão dos consumidores, apropria-se de conceitos pertinentes à manipulação de públicos-alvo, com objetivo de obter uma maior eficiência em campanhas e consequente maximização do lucro.

Pretende-se analisar a aplicabilidade das matrizes disciplinares da Psicologia à Publicidade, através da peça “Primeiro Encontro”, do anunciante Primus, veiculada no segundo semestre de 2004, em televisão. Pretende-se, também, analisar de que maneira estes paradigmas influenciam no comportamento de compra, pontuando tópicos importantes da Psicologia do Consumidor.

A TEORIA PARADIGMÁTICA E AS MATRIZES DISCIPLINARES

O presente estudo fundamenta-se na teoria de Thomas Kuhn, divulgada na obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), que aborda as noções de paradigma e a sua aplicação conceitual para a Psicologia. Para Kuhn, um paradigma caracteriza-se pela perpetuação do conhecimento dentro de uma comunidade científica, com margens à aplicação posterior destas ideias em outras áreas do conhecimento. Deste modo, classifica as teorias psicológicas como paradigmas, ou matrizes disciplinares. De acordo com o autor, as “[…] experiências são necessárias para permitir uma escolha entre modos alternativos de aplicação do paradigma a novas áreas de interesse” (KUHN apud CUNHA, 1998, p. 03).

Marcus Vinicius da Cunha, em A psicologia na educação: dos paradigmas científicos às finalidades educacionais (1998), aplica o conceito enfocado por Kuhn às práticas de ensino, comprovando a pertinência e a importância das matrizes disciplinares para outros estudos que não os ligados à Psicologia. Assim como Cunha, pode-se estender a utilização destas ao campo da Publicidade, principalmente por ele tratar de técnicas de manipulação de um homem que, à priori, é multideterminado.

Diante disto, cabe ressaltar que os indivíduos são produtos de um intercâmbio entre os mundos externo e interno: inconsciente, necessidades, desejos, percepções e linguagens são elementos que lhes atribuem um caráter complexo e que justificam a utilização do Behaviorismo, da Gestalt e da Psicanálise na elaboração de campanhas publicitárias.

O BEHAVIORISMO

O Behaviorismo surgiu em 1913, à luz de um estudo realizado por John Watson, objetivando, em princípio, dar à Psicologia um caráter científico ao propor um objeto de estudo observável. Até então, as teorias nesta área do conhecimento relacionavam-se à introspecção, a qual, por seu caráter abstrato, não podia ser analisada através do empirismo. Sob esta ótica, o comportamento advém de interações entre o indivíduo e o ambiente que o circunda, sendo este o principal dispositivo de análise desta matriz disciplinar.

fig 1 blog psicanalise
Buscando um equilíbrio consigo e com o meio, o homem procura atender suas necessidades, que podem surgir de estados de tensão fisiológicos ou psicológicos. Baseado neste pressuposto, Abraham Maslow desenvolveu uma teoria que organiza hierarquicamente as necessidades humanas, ilustrada por uma pirâmide. Esta está segmentada em cinco instâncias, sendo a sua base caracterizada por necessidades fisiológicas, como alimento, água e abrigo. Em seguida, tem-se, nesta ordem, as necessidades de segurança, de socialização, de estima e, finalmente, de auto realização. Maslow enfatiza que, para saciar uma necessidade, a anterior a esta já deverá ter sido suprida (fig. 1).

A teoria em questão apoia-se, fundamentalmente, no Behaviorismo, já que as necessidades abordadas funcionam como estímulos que desencadeiam respostas ou comportamentos. A sede, por exemplo, é um estímulo natural para que se busque água, ou seja, este ato é considerado reflexo. Segundo Burrus Skinner, em Ciência e Comportamento Humano (1967), “certa parte do comportamento é, pois, eliciada por estímulos, e é especialmente precisa nossa previsão desse comportamento” (SKINNER, 1967, p. 35). No entanto, pode-se aumentar a previsibilidade de uma resposta através da manipulação destes estímulos, gerando reflexos condicionados. O experimento de Ian Pavlov comprova esta possibilidade, ao induzir a salivação de um cachorro ao toque de uma campainha que simbolizava a presença de alimento.

A publicidade se vale destes conceitos para condicionar o comportamento dos consumidores, potencializando necessidades e incitando desejos. Por meio de campanhas persuasivas, transforma necessidades primárias em secundárias. Assim, a necessidade de saciar a sede é substituída pela vontade de consumir determinada marca de refrigerante, seguindo o exemplo previamente citado.

Quando o comportamento se dá através do aprendizado, tem-se maior probabilidade de obtenção de resposta previsível, através de recompensas e/ou sanções (reforços). Skinner alicerça esta ideia através de um experimento feito com um rato que, colocado dentro de uma caixa, descobre a possibilidade de saciar sua sede ao pressionar uma barra que libera gotas de água. Neste caso, o líquido funciona como um reforço positivo, para que a ação se repita todas as vezes que o estímulo o atingir. Em outra ocasião, Skinner submeteu o mesmo a choques elétricos que cessavam ao se pressionar um dispositivo semelhante ao da experiência anterior. Assim, a cobaia aprende a forma de extinguir o estímulo que a incomoda, o que se configura como um reforço negativo. Segundo ele, a distinção entre comportamento reflexo e comportamento operante é a de que o primeiro é involuntário, enquanto o segundo é voluntário.

tazo elma chipsA promoção de vendas, técnica de marketing muito utilizada por grandes empresas, corresponde a um reforço positivo, posto que oferece recompensas ao cliente pelo consumo de determinado produto ou serviço. Como exemplo, tem-se o case da Elma Chips (1997), que proporcionava diversão ao seu público-alvo, crianças, através dos “Tazos”, espécie de jogo colecionável, de grande apelo infantil, que envolvia personagens da Warner Bros. Ao comprar um item de sua linha de produtos, o consumidor passava por um processo de aprendizagem, ou seja, sabia que o “Tazo” (reforço) compunha gratuitamente o bem adquirido e, por isso, o comportamento de compra seria repetido, de modo a completar sua coleção.

Um tipo de reforço recorrente na publicidade é o que lança mão de intervalos fixos: as respostas aumentam à medida da frequência dos estímulos, isto é, “[…] o organismo devolve um certo número de respostas por cada resposta reforçada” (SKINNER, 1967, p. 64). Pode-se mencionar as propagandas veiculadas em horário nobre, em televisão aberta, onde o anunciante compra um pacote de horários fixos durante um determinado período de tempo. Assim, o telespectador habitua-se a ver a mesma propaganda nestes intervalos e, por isso, esta técnica é de extrema importância para a manutenção do comportamento operante.

O Behaviorismo, portanto, é fundamentado por todos os aspectos citados anteriormente, objetivando compor processos de modelagem. É notável a importância destes para a Publicidade, no sentido de persuadir um público-alvo e diminuir o índice de extinção dos comportamentos condicionados e operantes, necessários para o ato de consumo.

A GESTALT

A Gestalt surgiu na Alemanha, por volta do ano de 1870, através de estudos realizados por Max Wertheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka. Diferentemente do Behaviorismo, preocupa-se com o processo psicológico da percepção humana e as condições sob as quais os estímulos são recebidos. O conceito de percepção é indispensável para compreender a Gestalt, pois só através dela é possível a assimilação de um estímulo. Este processo se dá, fundamentalmente, por meio da associação de um dado evento com componentes significativos internos.

A percepção estrutura-se na forma de três postulados. O primeiro consiste na ideia de que o todo é percebido de maneira distinta da soma das partes, o que evidencia a importância da completude para esta matriz disciplinar. A peça “Festa do Vermelho”, por exemplo, do anunciante Campari, retrata inúmeros elementos pertinentes ao interesse de seu público-alvo (festa, padrões de beleza, música, indumentária, etc.), que, desvinculados, não atribuem o sentido desejado à propaganda. No entanto, ao combinar os itens citados, consegue-se criar um todo, capaz de atingir o target de maneira eficiente. O segundo postulado trata dos processos de associação no campo estimulatório, podendo ser exemplificado através da aproximação da operadora de celulares Claro com os apreciadores do rock, patrocinando o festival “Claro que é rock”. Esta ação mercadológica buscou a associação da marca da empresa aos valores da juventude contemporânea. O último postulado afirma a necessidade de completar um estímulo em aberto, de modo a torná-lo inteligível e diminuir a possibilidade de tensão provocada por sua incompletude. Uma das peças da campanha “Experimenta”, da Nova Schin, ilustra claramente este princípio: o bordão foi substituído por uma sequência de gestos que leva o espectador a parear o som emitido por eles com os fonemas da palavra “experimenta”.

fig 2 blog psicanaliseO equilíbrio entre estes postulados traduz-se no conceito de boa forma, ou seja, clara diferenciação entre figura e fundo. A peça “Verão Surfista” (fig. 2) apresenta uma distinção eficaz entre estes elementos, pois, apesar da inexistência de objetos reais (surfista, prancha), eles podem ser percebidos através da relação decorrente de pequenas figuras que, isoladamente, não produzem sentido.

Buscando a boa forma no campo perceptivo, é possível aplicar alguns princípios básicos para “fechar” a Gestalt, como a proximidade, a disposição objetiva, a similaridade, a experiência passada e a direção. Ao veicular uma propaganda de cigarros, por exemplo, o anunciante lança mão de imagens relacionadas à liberdade, associando este sentimento ao produto (proximidade). O modelo Sebastian será eternamente lembrado por sua participação nas campanhas da C&A (disposição objetiva), enquanto o cantor Ricky Martin é o protagonista da atual campanha da mesma marca (similaridade). A mais nova campanha da Primus aborda a evolução de um relacionamento com o consumidor (experiência passada), ao longo de cinco peças (direção). Estes artifícios, portanto, são utilizados na publicidade para persuadir o consumidor através de sua percepção e posterior identificação com o produto e a marca.

A cognição corresponde à organização interpretativa dos estímulos percebidos. “O aprendizado cognitivo implica pensamento e raciocínio para estabelecer relações, reconstruir e recombinar informações, para assim chegar a novas associações e conceitos” (GADE, 1998, p. 72) como a seletividade. Diante da enorme quantidade de informações a qual os consumidores estão expostos diariamente, três mecanismos são utilizados para filtrá-las: atenção, distorção e retenção seletivas. Segundo Philip Kotler (2004, p.195), “é mais provável que as pessoas notem estímulos que se relacionem com uma necessidade atual”, ou seja, os focos de atenção e retenção estão centrados em elementos de interesses individuais. Ocorre, também, a tendência de interpretar informações de acordo com julgamentos pré-estabelecidos.

Para compreender o fenômeno da percepção, é importante considerar os fatores de estímulo e os fatores pessoais. O meio é determinante para a geração de estímulos e pode despertar, com maior ou menor intensidade, a atenção do espectador a partir de inúmeras maneiras. A publicidade, por exemplo, utiliza recursos como movimento e frequência para garantir a fixação de um anúncio na memória do consumidor. A televisão configura-se como uma das mídias mais caras para se anunciar, justamente por ser um meio de comunicação audiovisual, podendo, assim, trabalhar com som e imagens não-estáticas. Assim como no Behaviorismo, intervalos fixos de veiculação de uma propaganda também colaboram com a retenção das informações. No entanto, os fatores pessoais são igualmente importantes para a percepção, posto que são designados por características intrínsecas a cada indivíduo. O antigo slogan da Rede Globo de Televisão, Globo e você, tudo a ver, exemplifica a exploração destes fatores através do direcionamento da mensagem.

A Publicidade utiliza ferramentas dos meios de comunicação de massa, não obstante a necessidade de persuadir cada parte do todo que compõe a audiência. É desta forma que se constrói o papel da Gestalt: o manipulador não detém total controle sobre a resposta aos estímulos e, por isso, deve atentar à subjetividade de seu público.

A PSICANÁLISE

Sigmund Freud fundou a Psicanálise no final do século XIX, quando sistematizou uma teoria da personalidade e o modo de tratamento de distúrbios psíquicos, através do método catártico. Baseado nesta técnica, desenvolvida por Josef Breuer, Freud acreditava que a maneira mais eficiente de descobrir a origem destes problemas e saná-los era por meio da liberação de afetos, chamada de catarse. Posteriormente, atribuiu a gênese destes casos à estruturação do aparelho psíquico humano, ocorrida ainda na infância.

Para compreender tal estruturação, é necessário considerar que o ser humano é dotado da “energia dos instintos sexuais” (FREUD apud BOCK, 1999, p. 74), a libido, que irá deslocar-se por partes do corpo da criança durante sua maturação psicossexual e, depois, para outrem: o sujeito, na concepção de Freud, é marcado pelo desejo, e a libido é projetada para a materialização deste. Vale ressaltar que a conotação sexual é apenas uma forma de representar a relação dos indivíduos consigo e com o meio no qual estão inseridos. Este processo se divide em quatro fases que podem ocorrer concomitantemente e que, se mal estruturadas, acarretam problemas futuros, que se manifestam ao longo de suas vidas, caracterizando-se como uma fixação. Isto “[…] significa que alguma energia libidinal continua a ser dedicada às preocupações de uma fase psicossexual anterior, e não é deslocada para as fases posteriores de desenvolvimento” (NYE, 2002, p. 23).

Até os dois primeiros anos de vida, aproximadamente, a criança tem sua libido concentrada na boca, o que configura a fase oral. Nesta época, tem-se o hábito de levar objetos à região citada, pois é a primeira área do corpo sobre a qual a criança tem controle. Além disso, é através da boca que se iniciam as relações com o mundo externo, reforçadas pela amamentação. Pessoas que possuem fixação nesta fase costumam fumar, comer, beber, falar compulsivamente. Em seguida, dos três aos quatro anos, em média, a libido desloca-se para a região anal: a criança sente prazer em controlar as atividades esfincterianas. A fixação nesta fase gera indivíduos que possuem preocupação exagerada com higiene e organização. Por volta dos cinco anos, a criança encontra-se na fase fálica, quando ela descobre seu órgão genital, deslocando sua libido para ele. Ocorre, então, o “complexo de Édipo”: o menino tem sua mãe como objeto de desejo e a menina, seu pai. Por não poder possuir o objeto em questão, a criança passa pelo processo de castração, diante do qual converte a energia libidinal para si e absorve os valores do pai (menino) e da mãe (menina). As características de fixação nesta fase são: insegurança, agressividade e instabilidade afetiva. Após estes eventos, há uma pausa nas atividades sexuais, iniciando um período de latência, quando a criança dedica-se à socialização. Enfim, a partir da pré-adolescência, a libido desloca-se para outrem, permanecendo nesse estado até a vida adulta, o que se configura como a fase genital.

A estruturação completa do aparelho psíquico se dá com o fim da maturação psicossexual. Este é dotado de três instâncias: id, ego e superego. O primeiro deles corresponde ao inconsciente, que é intrínseco ao ser humano desde o seu nascimento. É nele que estão contidas as energias do homem (pulsões), que expressam seus pensamentos e atitudes. “O id é a fonte original da qual a personalidade começa e cresce” (NYE, 2002, p. 13). O superego é formado através da castração, quando o indivíduo descobre que não pode ter tudo aquilo que deseja, atentando às normas sociais. O ego consiste no equilíbrio entre estas duas formações e manifesta-se no plano da consciência. Entretanto, o inconsciente pode vir à tona por meio de manifestações sintomáticas como os sonhos, os atos falhos e a linguagem, por exemplo.

A publicidade trabalha com as etapas da estruturação psicossexual dos indivíduos ao direcionar campanhas para os grupos que possuem fixação em alguma das fases citadas. Propagandas de bebidas, em geral, apelam para closes de pessoas degustando o produto anunciado, realçando o comportamento dos indivíduos que possuem a fase oral mal estruturada, em busca de identificação. Da mesma forma, anúncios de produtos de limpeza são claramente direcionados para donas-de-casa obcecadas por higiene, que, suspeita-se, possuem fixação na fase anal. Pode-se, portanto, obter um comportamento de compra através da relação de semelhança com a situação apresentada pelo anunciante.

A eficácia de uma propaganda está ligada à manipulação das três instâncias do aparelho psíquico: não adianta tentar emitir valores que firam o superego dos consumidores, pois é ele que regula o inconsciente, culminando na atitude manifesta pelo ego. É possível perceber apelos constantes ao id, pois, muitas vezes, o consumidor é compelido a comprar um bem ou serviço por motivos pouco aparentes. A peça “Bolso”, do anunciante Vivo, retrata esta situação de maneira evidente ao oferecer tarifas mais baratas para seus clientes, através da promoção “Tarifa Super 15”. Entretanto, a propaganda exibe jovens idealizados (bonitos, vestindo roupas da moda, felizes) para representar o público-alvo, de modo a fazer com que não se adquira o serviço em questão apenas pelos benefícios que ele apresenta. O consumidor, inconscientemente, deseja consumir a realidade oferecida pela peça, ainda que saiba que isto é impossível. Portanto, as contribuições das teorias freudianas para a Publicidade foram “[…] de salientar a dimensão simbólica e não simplesmente funcional do consumo” (KARSAKLIAN, 2000, p. 25).

Ainda no plano do simbólico, os anunciantes buscam o “amor” de seus consumidores, que levará ao processo de compra. A Psicanálise trabalha com esta questão ao referir-se ao amor transferencial. Para esta matriz disciplinar, todo amor é um amor de transferência, uma vez que o outro não é apenas o que ele realmente é, mas que nós pensamos ser, a nível simbólico. A transferência é parte fundamental para a cura através da Psicanálise, pois ela se dará com a resistência ao amor desenvolvido pelo paciente em relação ao psicanalista. Freud explica os motivos que tornam esta relação tão complicada:

[…] a parte da libido que é capaz de se tornar consciente e se acha dirigida para a realidade é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade e é inconsciente, e que, embora possa ainda alimentar as fantasias do indivíduo, pertence, todavia, ao inconsciente, é proporcionalmente aumentada. A libido (inteiramente ou em parte) entrou num curso regressivo e reviveu as imagos infantis do indivíduo. O tratamento analítico então passa a segui-la; ele procura rastrear a libido, torna-la acessível à consciência e, enfim, útil à realidade. No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as forças que fizeram a libido regredir se erguerão como ‘resistências’ ao trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas (FREUD, 1912, p.133).

O psicanalista objetiva descobrir a origem de um determinado sintoma, penetrando no inconsciente do analisado. Entretanto, a transferência constitui um obstáculo deste resgate do paciente para a realidade, visto que envolve sentimentos que se confundem o tempo todo, como amor e confiança, por exemplo. A publicidade, ao contrário da Psicanálise, pretende, através do “amor”, fidelizar seus consumidores, no intuito de fazê-los comprar cada vez mais. Assim, utiliza todas as ferramentas para manter a libido no plano do inconsciente, com o mínimo de resquícios da realidade concreta.

Atenta ao fato de que o ser humano é movido pelos desejos, a Publicidade busca o auxílio da Psicanálise para materializá-los, ainda que ilusoriamente passíveis de realização.

ESTUDO DE CASO: “PRIMEIRO ENCONTRO”

O alicerce da peça “Primeiro Encontro”, do anunciante Primus, é uma prosopopeia, que corresponde à personificação do produto. A “declaração de amor” da cerveja aos seus “pretendentes” (público-alvo) é retratada através da canção abaixo:

Quando passas por mim sem me notar
Me faz chorar, nem sabes que sofro por ti
Deixa eu te mostrar
Vem quebrar o gelo do desejo, me tira do lugar
Aí você me olha assim, e deita e tudo gira só pra mim
Você me dobra e não sobra nada
E deixo o mundo num beijo sem fim
Quando você me olha assim, o mundo inteiro gira só pra mim
O tempo pára e não penso em mais nada
Tudo termina num beijo sem fim

A narrativa desta propaganda baseia-se no desencontro entre a cerveja e o seu objeto de desejo. É possível perceber uma clara inversão de papéis; neste caso, quase um relacionamento real, o produto persegue o consumidor até que este note a sua existência.

De acordo com o Behaviorismo, a sede é um estímulo incondicionado, ou seja, é inerente a todo ser humano. Já a vontade de saciar a sede com cerveja é adquirida através de um condicionamento e a propaganda da Primus reflete bem este aspecto. Utilizando imagens do produto gelado e em bom estado (idealização) e mostrando a satisfação dos atores ao consumi-lo, busca vender ao espectador, além das características físicas intrínsecas ao mesmo, o prazer de beber uma cerveja de qualidade. Agregando valor ao produto, o anunciante amplia seu poder de convencimento e, através de princípios de modelagem, pode condicionar o consumidor. As técnicas deste processo abrangem desde a duração da propaganda até a música cantada durante a sua exibição. Somando todos estes atributos, tem-se um reforço positivo, que instiga o comportamento desejado pelo emissor, no caso, a compra da cerveja Primus.

Analisando a propaganda sob o viés da Gestalt, é possível notar a relevância do movimento e da sincronia deste com o fundo musical. Alguns versos da música, como “Me faz chorar” e “Me deita e tudo gira só pra mim”, são retratados em seu sentido literal, o que dá uma dinâmica maior à peça. A coreografia feita pelas atrizes, aliada à fileira de consumidores “apaixonados” pela Primus, está dentro de um dos princípios desta matriz disciplinar, a direção, e contribui para a fluidez das imagens veiculadas. Ainda em relação a este princípio, vale ressaltar que “Primeiro Encontro” é apenas a primeira propaganda de uma série que retrata todas as fases de um relacionamento, desde o início do namoro até a integração familiar. Este anúncio utiliza-se, também, da identificação do espectador com a situação proposta. Provavelmente, todos os consumidores potenciais do produto já passaram por uma experiência amorosa do tipo evidenciado na propaganda, o que cria um laço de proximidade com a mesma. Além disso, a Gestalt baseia-se na cognição, a qual é altamente subjetiva e depende do repertório de cada indivíduo, ou seja, a maneira de ver o mundo é refletida através de experiências e ideias pessoais, as quais acabam gerando uma percepção diferenciada entre os integrantes de uma mesma sociedade. A atenção, a retenção e a distorção seletivas explicam a variedade de gostos do mercado consumidor e os porquês de se prestar atenção a alguns elementos de uma propaganda em detrimento de outros. Na peça em questão, há inúmeros componentes que tentam, a todo custo, atrair a atenção do público, seja pela sensualidade, pelo humor ou pela sede.

A Psicanálise afirma que em cada indivíduo há um sujeito desejante. A publicidade trabalha com esta ideia o tempo todo, ao tornar possíveis as vontades e anseios do mercado consumidor. A propaganda da Primus mexe com a libido masculina, ligando a ideia de cerveja à mulher, ao exibir as três cantoras e ao personificar o produto em um ser feminino, “apaixonado” pelo consumidor. Conscientemente, o espectador quer consumir o produto material, no caso, a cerveja Primus. No plano do inconsciente, deseja tudo o que a propaganda veicula – as mulheres, a cerveja gelada, a alegria do bar, a paixão – e alega ser real. Na verdade, todos estes e muitos outros elementos são artifícios usados para instigar aquilo que está latente em quem assiste.

A peça utiliza o amor como forma de conquistar o consumidor, baseando-se na questão da transferência: objetiva manter a libido para além da consciência, minando a razão do espectador. O ato de beber a cerveja representa o beijo, que é o símbolo do amor conquistado. O público a ser atingido possui fixação nas fases oral e genital, o que pode ser evidenciado, respectivamente, nos closes de atores degustado o produto e na sensualidade das atrizes, intimamente ligada à virilidade do homem, principal consumidor de cerveja.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Primeiro Encontro” utiliza diversos recursos para tentar atrair a atenção do espectador. Pode-se observar a presença de elementos característicos das matrizes disciplinares da Psicologia numa tentativa de persuasão, mesmo que eles não componham a peça propositadamente. Através de sons, imagens, cores e palavras é possível criar (ou fazer com que se perca) o interesse pelo produto. Portanto, é recomendável que o publicitário tenha conhecimento dos fundamentos teóricos da Psicologia como aperfeiçoamento e extensão de suas técnicas.

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Autores:
Carolina de Menezes Zatti – Estudante de Graduação do 4º semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade Católica do Salvador;
Débora Araujo Goes de Medeiros – Estudante de Graduação do 3º semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade Católica do Salvador;
Rafael Liou de Oliveira – Estudante de Graduação do 4º semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade Católica do Salvador;
Rafael Oliveira Freaza Garcia – Estudante de Graduação do 4º semestre do curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade Católica do Salvador;
Orientadora: Clarissa Lago de Brito – Licenciada em Pedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), Brasil; Bacharel e Psicóloga pela Universidade Salvador (Unifacs); Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Católica do Salvador; Mestranda em Educação – Linha de Pesquisa: Políticas e Gestão da Educação, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professora Assistente de Fundamentos Psicossociológicos e Psicologia da Comunicação, em cursos de graduação em Comunicação Social do Instituto de Letras da UCSal.
REFERÊNCIAS

BOCK, A.M.B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M.L.T. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 1999.
CUNHA, M.V. A psicologia na educação: dos paradigmas científicos às finalidades educacionais. Revista
da Faculdade de Educação (USP). São Paulo: v. 24, n. 2, jul-dez 1998.
FREUD, S. Observações Sobre O Amor Transferencial: novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III. 
In: Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XII. 
GADE, C. Psicologia do consumidor e da propaganda. São Paulo: Pedagógica e Universitária, 1998.
GUARESCHI, P.A. (Coord.). Comunicação e controle social. Petrópolis: Vozes, 1991.
KARSAKLIAN, E. Comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2000.
KOTLER, P. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 2004.
LUBISCO, N.M.L.; VIEIRA, S.C. Manual de estilo acadêmico: monografias, dissertações e teses.
Salvador: Edufba, 2003.
MUCCHIELLI, R. Psicologia da publicidade e da propaganda. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1978.
NYE, R.D. Três psicologias: idéias de Freud, Skinner e Rogers. São Paulo: Pioneira, 2002.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Brasília: Universidade de Brasília, 1967.

Written by Clarissa Lago

2 Comments

CICERA REGIANE PEREIRA DA SILVA

Acho que realmente as propagandas atingem diretamente o psicólogico das pessoas .Pois é tão elaborada que parece que acontece tudo que eles promete dai a importância da psicologia para que agente saiba separar o que é real ou fantasia de mais da conta. é

Mario Guti

O melhor livro que li sobre esse assunto foi o Armas da Persuasão, vale muito a pena a leitura, principalmente para quem deseja ser mais influente

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