251 doador 7 vidasAlgumas reflexões sobre o desejo de conhecer o PAI BIOLÓGICO.

A próxima novela das dezoito horas, “SETE VIDAS” estreia dia 9 de março de 2015 – um dos temas centrais, nos faz repensar mais uma vez a questão do Pai e sua função em psicanálise.

Ao assistir as primeiras chamadas da trama, não apenas remeti aos casos clínicos que escuto em meu consultório no cotidiano, bem como a própria teoria Freudiana, que aponta ao Pai – desde da horda primeva, passando pelo pai totêmico, até mesmo o pai da realidade no que tangia ao século de Freud¹ em uma família patriarcal, constituída de pai, mãe e filhos.

Eis que com o avançar dos tempos, Lacan ao reler Freud, não só apontou, como também desenvolveu conceitos pertinentes na questão do Pai e sua função em psicanálise. Assim sendo, não mais torna-se necessário a existência de pai encarnado para que haja a função paterna. Tema esse de inesgotáveis estudos e pesquisas nos levando sempre a muitas reflexões.

Nos Seminário 4: A relação de objeto (1995 [1956-1957]) e especificamente o Seminário 5: As Formações Inconscientes (1999 [1957-1958]) quando Lacan, ao reler Freud (1996 [1924]), nos afirmou que o Pai pode estar presente como função.

Lacan se esforça para especificar, não mais os infortúnios inerentes a sua ausência, mas, precisamente, a influência induzida pelas eventualidades de sua presença – a famosa carência paterna, como nos afirmou Dor (1991).

Lacan (1999[1957-1958]) nos fez refletir: será que um Édipo pode se constituir de maneira normal quando não há pai? Percebemos que não é tão simples assim, ainda que um pai seja uma metáfora e que um Édipo poderia muito bem se constituir mesmo que o pai não estivesse lá.

A função do Pai tem seu lugar, um lugar bastante grande, na história da análise. Está no centro da questão do Édipo, e é aí que vocês a veem presentificada. Freud introduziu – a logo no início, uma vez que o complexo de Édipo aparece desde A ciência dos sonhos. O que o inconsciente revela, no princípio, é acima de tudo, o complexo de Édipo. A importância da revelação do inconsciente é a amnésia infantil, que incide sobre o quê? Sobre a existência dos desejos infantis pela mãe e sobre o fato de esses desejos serem recalcados. E não apenas eles são reprimidos, como se esquece que esses desejos são primordiais. E não apenas são primordiais, como estão sempre presentes. Foi daí que partiu a análise e é a partir daí que se articula um certo número de indagações clínicas. (p.166 – 167)

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Se Lacan (1999[1957-1958]) nos convocou a pensar: O pai não é um objeto real, então o que é ele? O pai é uma metáfora. É um significante que vem no lugar de outro significante. O pai é um significante que substitui outro significante. E é este o motor, e o único essencial do pai enquanto inventor no complexo de Édipo.

Assim sendo, podemos afirmar e concordar com Nasio (2007) ser o Édipo, aquele complexo do qual nenhuma criança escapa. Não importa a idade cronológica que o sujeito esteja em análise, mas, sim em que tempo lógico ou muito mais alógico e atemporal em que o sujeito está vivendo em seu inconsciente.

Guyomard (2007) nos afirmou que na verdade a Lei- do- Pai, é a Lei dos Filhos, pois são os filhos enquanto filhos que precisam dar conta do complexo de Édipo e assim seguir os devidos caminhos.

Quando Dor (1991) nos interroga: Será preciso que haja necessariamente um homem para haver um pai? O autor em seguida nos esclareceu:

“Por terrível que pareça a proposição á primeira vista, vai caber, no entanto à resposta que se lhe puder dar, produzir a exata especificação da função paterna”. (p.33).

A discriminação que a questão levantada supõe, em troca, que seu domínio de aplicação seja sancionado tão rigorosamente quanto possível. Esse domínio, DOR (1991) define pelas duas fórmulas seguintes, que vão delimitar sua extensão e compreensão apresentando da seguinte maneira:

1. O homem, enquanto Pai, tem que dar provas, num dado momento, de que possui aquilo de que todo homem é desprovido.
2. O Pai, enquanto homem, jamais pode dar outra prova senão dar aquilo de que é desprovido. (p. 34)

Para Dor (1991) essas duas proposições não são, absolutamente, enunciadas sibilinos, sob a condição de que seja claramente designado este objeto enigmático que se pode ao mesmo tempo possuir e do qual se é igualmente desprovido: o falo.

Segundo Dor (1991) é por essa razão, e apenas por ela, que a função paterna será estruturalmente identificada à função fálica.

Em o Seminário 5: As formações do inconsciente, Lacan (1999[1957-1958]) fez questão de chamar nossa atenção que a função do pai real só se realiza se for mediada pela palavra da mãe, sendo fundamental que a mãe reconheça que está submetida à Lei-do-Pai. Não sendo necessário a presença do pai como personagem.

Jorge (2007) nos afirmou que uma mãe viúva, por exemplo, pode perfeitamente exercer a função do pai real. Basta que ela diga e dê provas de que o objeto do seu desejo não é o filho, pois, por detrás dela existe uma mulher que não tem o falo e, justamente por isto, vai buscar em um homem, e não no filho, o que ela não tem.

Por que o falo? O falo está lá, nesse pai imaginado, nesse pai fantasiado, nesse pai que aparece não só do discurso da mãe e de certa forma a estrutura em busca da sua origem e do significante Nome-do-Pai.

doador 251Concordo com Nasio (2007) quando nos afirmou que a Psicanálise fez uma verdadeira revolução ao descobrir que os seres humanos são habitados por fantasias tão mórbidas quanto o mais nefasto vírus, e que a mais virulenta dessas fantasias é representar a mulher como uma criatura castrada e inferior. Essa fantasia é antes de tudo uma quimera infantil. Sendo necessário ser resgatada.

Decerto que a psicanálise postula o que o Falo existe e que a mulher é castrada, mas, espero que entendam, o Falo é uma ilusão e a mulher é castrada tão – somente na imaginação inconsciente das crianças e dos neuróticos.

Assim, o pai, sempre estará em questão, por que: retomo o que escrevi em parágrafos anteriores para tentar apenas fazer borda, mesmo sabendo que o buraco é sem fim. Se para Nasio (2007) incontestavelmente o pai fantasiado ocupa um lugar central na vida de todos os neuróticos; os seus receptores de amor estão saturados pela onipresença paterna. O fim do Édipo é, com efeito, um comprido caminho, ao longo do qual o sujeito precisa percorrer.Doador 251  novela 7  vidas psicanalise

Talvez essa seja uma das apostas que Lícia Manzo² faz como tema central da próxima novela das 18 h, que estreia dia 9 de março. São personagens com histórias de vidas, classes sociais, cidades diferentes. O pai enquanto função também organizado de forma diferente, mas, há algo que não cessa. Ao tentarem descobrir quem é o Doador 251, desejam buscar a si.

Um pai biológico para uns pode ser de menos valia enquanto que para outros talvez seja um ponto importante e esclarecedor de suas vidas.


Ao colocar personagens tão diferentes nessa busca, a autora, ainda que sem saber, faz um percurso psicanalítico para esclarecer ao telespectador sobre as dores tão particulares que acometem os sujeitos, inclusive até o próprio significante DOR, só tem sentido em psicanálise aquele que anuncia e vive determinada dor. E para cada um nessa trama o doaDOR terá um sentido diferente, ou quem sabe, sentido algum.

“…alô por favor (…)
…é ela!
…na verdade a gente não se conhece, meu nome é Pedro, peguei seu número no site por causa do doador 251, que afinal de contas é o meu também (…)”

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¹ É válido ressalvar, o tempo em que a teoria é pensada bem como a história do século XIX.
² Lícia Manzo, atriz, produtora, autora, roteirista e diretora brasileira.  Prêmio Molière de melhor grupo teatral para crianças, com seu grupo Além da Lua, 1984. Em 2013, sugeriu à Rede Globo, uma novela intitulada Sete Vidas, que estreia em março de 2015, no horário das 18 horas.

REFERÊNCIAS:
DOR, Joel. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). In:
_______.Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição standard brasileira:
Volume XII (1911-1913). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.122-133.
FREUD, Sigmund. A dissolução do complexo de Édipo (1924). In: _______.Obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição standard brasileira: Volume XIX
(1923-1925). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.190-199.
FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável (1937). In: _______.Obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição standard brasileira: Volume XXIII
(1937 -1939). Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.224-270.
GUYOMARD, Patrick. A lei e as leis. In: ALTOÉ, Sônia (org). A lei e as leis: direito e
psicanálise. Rio de Janeiro: Revinter, 2007. p, 3-59.
JORGE, Marco Antônio Coutinho. Lacan, o grande freudiano. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2007.
LACAN, Jacques. O Seminário: livro 4: A relação de objeto. [1956-1957]. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
LACAN, Jacques. O Seminário: livro 5: As formações do inconsciente. [1957-1958].
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
LAGO, Clarissa. O pai: sempre em questão. IN:Revista Topos/Espaço Moebius
Psicanálise – Salvador: Espaço Moebius – Psicanálise: EDUFBA, 2013. p,153 – 165.
NASIO, Juan-David. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de
Janeiro: Zahar, 2007.
SETE VIDAS.In: http://gshow.globo.com/novelas/sete-vidas/index.html. Acesso em 5
de março de 2015.
SÓFOCLES. Édipo Rei. São Paulo: Martin Claret, 2008.

Written by Clarissa Lago

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